A ausência de memória

Esta reflexão é uma singela homenagem ao Rui Oliveira, recentemente falecido, e um grito de revolta pela falta de memória de quem dirige a UNITA. O facto de eu ter sido militante da UNITA (nº 53 149 e membro nº 11 da JURA no Huambo, da qual, aliás, fui secretário do Departamento Cultural do Comité do Huambo) não me dá qualquer especial legitimidade. Mas também não ma tira.

Por Orlando Castro

Não sei se qualquer reflexão que ultrapasse o círculo de bajuladores, nesta caso da UNITA, onde também os seus dirigentes preferem ser assassinados pelos elogios do que salvos pela crítica, serve para aqueles que sobrevivem com mandioca ou, pelo contrário, para os que se banqueteiam com lagostas em Luanda.

Perante os sucessivos desastres eleitorais, os dirigentes da UNITA mexem na equipa, baralham tudo e voltam a dar para, presumivelmente, dar um novo dinamismo à máquina partidária. Hoje presumo menos. Amanhã menos ainda.

Ninguém melhor, penso, do que hoje Adalberto da Costa Júnior (tal como ontem Isaías Samakuva) para saber se a UNITA vai conseguir viver sem comer. UNITA no sentido dos homens e mulheres que, como o Rui Oliveira, tinham orgulho no Galo Negro que transportavam no peito. Temo que, apesar da muita experiência, um dia destes se venha dizer, venha o MPLA dizer, que exactamente quando estava mesmo, mesmo quase a saber viver sem comer, a UNITA morreu.

A UNITA, ou seja – os seus dirigentes, continua a preferir ser assassinada pelo elogio do que salva pela crítica, repito. E quando assim é… não há memória que a salve, nem mesmo a do Mais Velho.

Depois de cada derrota eleitoral (embora com muita batota), teimo em pensar que a UNITA escolhe os seus “generais” para a “guerra” política baseada em critérios de consistência. Ledo engano. Isso foi noutros tempos.

E quando penso que desta vez é que vai ser… o tiro sai pela culatra. E depois os “maninhos” ficam chateados quando escrevo que se Jonas Savimbi fosse vivo, grande parte destes “generais” não passava de “cabos”.

E, para – apesar de tudo – meu penar, não sou o único (longe disso) a pensar assim. Sou, eu sei, dos poucos que publicamente assume esta tese. Tenho, no entanto, recebido testemunhos com chipala e nome, que comprovam que o Estado-Maior da UNITA continua a querer ganhar a “guerra” com “generais” que ao primeiro “tiro” vão para o outro lado da barricada ou, na melhor das hipóteses, levantam os braços, içam um pano branco e depenam o Galo Negro.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não viu, não vê e assim nunca verá na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Alcides Sakala e Samuel Chiwale.

Terá sido para isto que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saberem como, herdaram o partido.

Continuo a lamentar que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Também é pena, importa continuar a dizê-lo, que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Se calhar também é de lamentar que figuras sem passado, com discutível presente e necessariamente sem futuro, queiram ter tudo à custa da desonra dos seus antepassados que deram tudo o que tinham, incluindo a vida, para dignificar os Angolanos.

Será que a UNITA não enterrou, depois da morte de Savimbi, o espírito que deu corpo ao que se decidiu no Muangai em 13 de Março de 1966?

Foi do Muangai que saíram pilares como a luta pela liberdade e independência total da Pátria; Democracia assegurada pelo voto do povo através dos partidos; Soberania expressa e impregnada na vontade do povo de ter amigos e aliados primando sempre os interesses dos angolanos.

Foi de lá que também saíram teses sobre a defesa da igualdade de todos os angolanos na Pátria do seu nascimento; busca de soluções económicas, priorização do campo para beneficiar a cidade; liberdade, democracia, justiça social, solidariedade e ética na condução da política.

Alguém, na UNITA, sabe hoje quem disse: ”Eu assumo esta responsabilidade e quando chegar a hora da morte, não sou eu que vou dizer não sabia, estou preparado”? O Rui Oliveira sabia.

A UNITA mostrou ao mundo que as democracias ocidentais estão a sustentar um regime corrupto e um partido que quer perpetuar-se no poder. E de que lhe valeu isso? Depois das hecatombes eleitorais, provocadas também pela ingenuidade da UNITA acreditar que Angola caminha para a democracia, os dirigentes da UNITA alteraram os jogadores, a forma de jogar e prometeu, continua a prometer, melhores resultados.

Mas a verdade é que muitos desses craques que escolheu não conseguem olhar para além do umbigo, do próprio umbigo, e passaram os últimos anos a marcar golos na própria baliza.

Recentemente, em conversa com o Rui Oliveira, perguntei-lhe:

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que vinhas de Lisboa e nos encontrávamos no Hotel Tuela, no Porto, para conversar sobre a nossa terra, umas vezes a sós, outras com o Alcides, com o Jeremias ou com o Tony?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que éramos dos primeiros a saber quando algum de nós vinha da banda para nos contar como iam, ou não iam, as coisas?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que de vez em quando vocês mandavam de Lisboa alguma ajuda para pôr na linha os camaradas que nos queriam encostar à parede?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que te deslocaste propositadamente cá acima para me dar um abraço de solidariedade quando soubeste que eu recusara uma enormíssima promoção que tinha como contrapartida abdicar das nossas ideias e ideais?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos em que jantámos aqui no Porto com o nosso mais Velho e ele também me disse que valia a pena recusar promoções quando elas implicam a perda da consciência?

– Recordas-te, meu velho, dos tempos, estes mais recentes, quando o Alcides e o Paulo tinham regressado há pouco tempo da mata e no átrio do hotel Porto Palácio me deram um forte, demorado e comovido abraço?

Ele recordava-se disto e de muito mais. E nem sequer algumas “violentas” discussões entre nós afectaram a memória de ambos, nem a transformaram em vagas ideias selectivas. Uma delas, recordo, teve a ver com o comportamento do então representante da UNITA em Portugal, Isaac Wambembe, e de Carlos Lopes, então “Secretário da Economia e das Novas Tecnologias” do então delegado da UNITA.

Nota: A UNITA limitou-se, no seu portal, a reproduzir uma curta notícia da morte de Rui Oliveira. Andasse por cá Jonas Savimbi e a história seria outra. É pena. Não que isso preocupe o Rui. Aliás, se calhar há actuais dirigentes da UNITA que perguntam: “Quem é esse Rui Oliveira?” Pois é. Também a UNITA tem muitos responsáveis em que o cérebro está localizado no intestino grosso.

Foto: Rui Oliveira nos seus primeiros dias na Jamba, onde se tornou um férreo admirador, e amigo, de Jonas Savimbi.

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